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David Liss: "The Coffee Trader"

 

O livro sugerido é intitulado “The Coffee Trader”, escrito por David Liss e publicado em 2003 pela editora Random House. A história do livro gira à volta de um comerciante de café (como o nome indica) mas não um comerciante de café (produto) mas de café (contratos de futuros).

A trama passa-se em Amesterdão, durante o ano de 1659 e tem como protagonista Miguel Lienzo, um judeu português, natural de Lisboa, que com a sua família foi viver para os Países Baixos. No início do livro, Miguel está em dificuldades financeiras por perdas incorridas em transacções com futuros de açucar. Em resultado dessas perdas, está a viver em casa do irmão e decidiu, em conjunto com uma amiga holandesa especular em derivados de café, um produto ainda muito recente e pouco conhecido na Europa nessa altura.

No decurso destas operações Miguel, os seus associados e os seus rivais financeiros procuram, por vezes com sucesso, outras vezes sem sucesso manipular o mercado em operações de especulação com derivados de diversas mercadorias (brandy, óleo de baleia, etc). Pelo meio Miguel envolve-se romanticamente com a mulher do seu irmão e tem problemas com a comunidade religiosa judaica local.

Para o leitor interessado em Finanças (a maioria, espero) o livro desperta o interesse pelo palco escolhido para o romance. No final de século XVI e início do século XVII, os holandeses desenvolveram os modelos e instrumentos que hoje são comuns nas finanças modernas: as empresas de responsabilidade limitada, mercados de commodities, de acções e de derivados. Grande parte dessa inspiração veio da comunidade Judaica Sefardita oriunda de Portugal e de Espanha, que começaram a chegar a essas partes cerca de 75/50 anos antes. Um dos primeiros manuais a explicar o funcionamento desses mercados e a valorização desses instrumentos foi escrito em 1688 por José de la Vega , sugestivamente intitulado “Confusion de Confusiones”. Nele, são listadas as quatro regras para o especulador, regras essas ainda bem actuais nos tempos de hoje (em inglês):

1)     Never advise anyone to buy or sell shares. Where guessing correctly is a form of witchcraft, counsel cannot be put on airs.

2)     Accept both your profits and regrets. It is best to seize what comes to hand when it comes, and not expect that your good fortune and the favorable circumstances will last.

3)     Profit in the share market is goblin treasure: at one moment, it is carbuncles, the next it is coal; one moment diamonds, and the next pebbles. Sometimes, they are the tears that Aurora leaves on the sweet morning's grass, at other times, they are just tears.

4)     He who wishes to become rich from this game must have both money and patience.

Este período de tempo correspondeu ao aparecimento dos Países Baixos como potência mundial e um principal concorrente de Portugal no comércio. E esse periodo de tempo surge após os Países Baixos saírem do controlo Espanhol e corresponder a uma parte da Europa sem a vantagem de possuírem recursos naturais, tendo os Holandeses que se munir do espirito de iniciativa e de uma tolerância pouco comum nesse ponto do tempo. O livro reflete o ambiente em que diferentes comunidades religiosas/étnicas conviviam com bastante liberdade para prosseguirem uma vida de acordo com as regras de cada comunidade. O contraponto com a descrição dos hábitos seguidos pelos judeus portugueses quando se recordavam da sua vida em Portugal é bastante marcante. No meu caso pessoal, este período de história e a diáspora luso-judaica sempre foi um tema que me fascinou: Portugal no seu auge, determinou a expulsão dos judeus de Portugal. No curto prazo os efeitos negativos dessa decisão, pela eliminação de capital humano e de conhecimento acumulado, não se fizeram sentir, mas correspondeu às sementes do declínio do Império Português que ocorre uma ou duas gerações mais tarde. Ao longo da história, de países, de empresas e de indivíduos, é nos períodos de maior sucesso que se tomam as decisões erradas e determinam o inevitável insucesso futuro, mas num contexto de sucesso não a há a capacidade nem a perpectiva correcta para poder perceber isso. Mais uma lição que um bom profissional de finanças não deve esquecer, nas confusões dos mercados financeiros.